quinta-feira, 19 de maio de 2016

O Bem e o Mal - 7

 

A Origem do Mal

Nos posts anteriores analisámos as origens mitológicas das figuras que ainda habitam o imaginário colectivo e a cultura popular, como responsáveis pelos males da Humanidade.

Demos especial atenção aos mitos que estão na origem da nossa cultura religiosa, no mundo ocidental. E focámos, ainda que pela rama, os conceitos bíblicos de Diabo, Satanás, Inferno, Lúcifer.

Recapitulando:

Satanás vem do Grego "stn" e significa opositor. Não é usado na Bíblia para designar uma entidade, mas como adjectivo. Opositor: o que se opõe, o que contraria.

Diabo vem do Grego "diabbolos" e significa basicamente o mesmo: aquele que separa.

Em nenhum contexto bíblico encontramos estes termos que não seja a designar alguém que se opõe, que dificulta. Nunca uma criatura.

Inferno vem do latim "inferus", as regiões inferiores, o Hades pagão, o Sheol hebraico. Nunca para designar um lugar de eterno sofrimento. Nunca na Bíblia encontramos a palavra Inferno que não seja nesse sentido. Não aparecem na Bíblia quaisquer descrições do Inferno como aparecem nas pinturas medievais e renascentistas ou na palavra inflamada dos pregadores diabolistas.
 
Demónios, os "daimon", do Grego, que Jesus expulsava, não são mais que maus Espíritos - ou doenças, que naquela época eram consideradas obra dos maus Espíritos.

Lúcifer designa, e sempre segundo estudiosos dos mais diversos sectores religiosos, um rei Babilónio que se achou mais luminoso que o próprio Deus, colocou o seu trono no Monte Sião, em Israel, e foi destronado, para gáudio do povo invadido.

Na sequência da Peste Negra, alguns teólogos medievais viram em Lúcifer a figura mítica do Diabo, que nos aparece nas culturas mais remotas sob diversos nomes (caso do Ahrimane dos Persas, por exemplo).
 
A ideia de um ser criado para o Mal, e para a perdição da Humanidade, tem essa raiz ancestral. Quiseram vê-la na Bíblia, e viram-na também na serpente do Jardim do Éden, ou no monstro marinho apocalíptico, o Leviatã.

O mito de criação de Adão e Eva aparece em todas as culturas, antigas, com ligeiras diferenças. O Leviatã bíblico é o Lotã Cananeu, revisto e adaptado.

O mito apocalípico dos anjos caídos vem de escritos Bíblicos de tempos messiânicos, em que as batalhas entre Judeus ocupados e Romanos ocupantes eram constantes, e o povo aspirava a um Messias libertador.

Esquadrinhada assim a Bíblia, a obra fundamental da cultura ocidental, não encontramos a origem do Mal em nenhuma personagem.

A Razão amadurecida da Humanidade actual, recusa, aliás, que Deus possa permitir a existência de seres dedicados ao Mal. Deus não pode permitir sofrimentos e desigualdades que sejam causados por "rivais". Deus, sendo Todo-Poderoso, não pode ter rivais.

Não, a origem do Mal não é essa.
 

Algumas sugestões de leitura:

MINOIS, Georges. O Diabo: origem e evolução histórica. Lisboa, Terramar, 2003.

CAMPBELL, Joseph. A transformação do mito através do tempo. São Paulo, Cultrix, 1995.

DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800): uma cidade sitiada. São Paulo, Cia. das Letras, 1989.

DURANT, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução a arquitipologia geral. Lisboa, Estampa, 1989.

FONSECA, Luís A. “Prefácio”. In: NOGUEIRA, Carlos R. F. O Diabo no imaginário cristão. Bauru, Edusc, 2000.

LINK, Luther. O diabo: a máscara sem rosto. São Paulo, Cia das Letras, 1998.

MESSADIÉ, Gerald. História geral do Diabo: da Antiguidade à Idade contemporânea. Mira-Sintra, Publicações Europa-América, 2001.

MUCHEMBLED, Robert. Uma história do Diabo: séculos XII-XX. Rio de Janeiro, Bom Texto, 2001.

NÉRET, Gilles. Devils. Köln, Taschen, 2003. (Icons).

NOGUEIRA, Carlos R. F. O diabo no imaginário cristão. Bauru, Edusc, 2000.

PRAZ, Mario. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Campinas Editora da Unicamp, 1996.

RUSSELL, Jeffrey B. Mephistopheles: The devil in the Modern World. Ithaca/ London, Cornell UP, 1990.
Lúcifer: o diabo na Idade Média. São Paulo, Madras, 2003.

STANDFORD, Peter. O Diabo: uma biografia. Rio de Janeiro, Gryphus, 2003.






O Bem e o Mal - 6

 

Os Mitos à Letra

Os Hebreus eram reencarnacionistas. Os Cristãos dos primeiros séculos também o eram. Quando a reencarnação foi retirada do credo da Igreja Primitiva, inevitavelmente puseram-se questões morais e filosóficas:

- Entre os bons e os maus, não haveria uma categoria de pessoas que, sem mereceram o Céu, também não mereciam o Inferno?

- Um recém-nascido ou um doente mental, sem mérito para o Céu, teriam que ser precipitados no Inferno?

Para dar resposta a essas pertinentes questões, os teólogos inventaram o Purgatório e o Limbo.

Durante séculos, aceitou-se que os recém-nascidos e os doentes mentais, após a morte, iriam parar ao Limbo, onde gozariam de paz, mas não poderiam ver a Deus, como os Bem-Aventurados.
Esta concepção deixou de ser aceitável quando o raciocínio humano evoluiu. Resolvia parte do problema, mas levantava outro:

- Que mal haviam feito os recém-nascidos e os doentes mentais para não merecerem ver a Deus?

Era flagrante o contra-senso, e a Igreja Católica aboliu o Limbo. Com João Paulo II, que também declarou que o Inferno não é um lugar físico, mas o estado de quem se afasta de Deus.

O Purgatório mantém-se, ainda que, tal como o Inferno e o Diabo, não haja absolutamente nenhuma referência Bíblica que fale da sua existência. É a Razão humana que o reclama.

A pintura acima reproduzida é de Fra Angelico (1432-1435), e retrata o Juízo Final, segundo a Igreja. É a ideia pagã do Hades que subsiste, com os Campos Elísios de um lado, e o Tártaro do outro. Suprimida a reencarnação, o destino passa a fixar-se de um modo definitivo:

No dia do Juízo Final, os mortos ressuscitam. Uns irão para o Inferno, outros para o Céu, e outros, não suficientemente bons para o Céu, ficarão na Terra, que será então chamada, segundo algumas igrejas, a Nova Jerusalém.

Este conceito pressupõe mais um mar de interrogações, que têm lançado gerações de cristãos na dúvida e na descrença:

- Se o Juízo Final ocorrer um dia, no futuro, então o Céu e o Inferno estão vazios?

- O que acontecerá às almas do Purgatório que no dia do Juízo Final ainda não estiverem 'purgadas'?

- O que acontecerá aos milhões de seres humanos que não foram baptizados nem nunca ouviram falar de Jesus?

- Como pode um Deus infinitamente Bom e Justo, condenar os seus filhos ao eterno suplício?

- Se houver vida inteligente fora da Terra, como ficará a teoria do Juízo Final?

- Se um dia voltarem à vida os biliões de seres humanos que viveram neste planeta, como haverá espaço e recursos alimentares para tanta gente?

- Os habitantes dessa Nova Jerusalém poderão reproduzir-se? O problema do espaço tornar-se-à mais premente, uma vez que se tratará de seres imortais...

- Como será possível suportar a Eternidade vivendo na Terra? Após uns quantos biliões de anos, talvez sobrevenha um certo tédio...

E poder-se-ia continuar indefinidamente. Mentes adultas já não podem aceitar tais fábulas.
 
 
 

O Bem e o Mal - 5

 

Lúcifer

Quem é "Lúcifer"?

O nome Lúcifer é frequentemente aplicado a Satanás, mas não há base bíblica para esta idéia. A palavra "Lúcifer" é a tradução, em algumas Bíblias (ainda que não nas versões portuguesas mais comuns) da palavra hebraica 'hêlîl', em Isaías 14:12. Versões bem conhecidas como a Revista e Corrigida, a Revista e Atualizada (1 e 2) e a Linguagem de Hoje traduzem esta palavra como "estrela da manhã."

Isaías 14 é uma profecia sobre a queda do rei de Babilônia (veja 14:4). Este rei exaltava-se, buscando tomar a glória que pertence a Deus. A profecia de Isaías 14 mostra que ele seria derrubado de volta à terra.

É interessante que o Novo Testamento fale sobre a "estrela da alva" (2 Pedro 1:19) e a "estrela da manhã" (Apocalipse 2:28; 22:16). Em todas estas passagens, é claro que a estrela da manhã não é Satanás, ou qualquer outra criatura blasfema. O próprio Jesus é a brilhante estrela da manhã que abençoa seus servos fiéis.

Então, por que o nome "Lúcifer" é freqüentemente aplicado a Satanás? O uso partiu de uma interpretação errada de Isaías 14:12. Muitos comentaristas inseriram algo maior neste texto, vendo-o como uma explicação da origem de Satanás. Certamente há razão para acreditar que o Diabo foi um dos anjos (Jó 1:6), que ele tem estado em rebelião contra Deus desde antes da criação da Terra (1 João 3:8; veja Gênesis 3), e que vários anjos seguiram sua desobediência e serão castigados eternamente (Judas 6). O que o rei de Babilônia fez foi o mesmo tipo de pecado: desafiar a autoridade do Rei dos reis. Neste sentido, podemos pensar em "Lúcifer" como um filho ou discípulo de Satanás (veja João 8:44), mas a profecia de Isaías 14:12 não está falando especificamente do Diabo.

Esta é uma lição permanente para nós de Isaías 14. O rei de Babilônia serve como um lembrete claro da verdade das palavras de Jesus em Lucas 14:11: "... todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado." Que possamos andar humildemente com nosso Deus.

- por Dennis Allan


Este texto pode ser lido no site http://www.estudosdabiblia.net/bd510.htm .

Desconhecemos a que confissão religiosa pertence este site. Optámos por esta transcrição porque resume bem a inconsistência das crenças comuns, que confundem a alegoria do nome Lúcifer com o adjectivo stn-satã-satanás, que passou a ser visto como uma criatura e não como uma característica, segundo o seu sentido original.

Na Vulgata, tradução da Bíblia da versão Grega original (Septuaguinta) para Latim, por São Jerónimo, no século IV, o termo aparece pela primeira vez-

«Lúcifer (em hebraico, heilel ben-shachar, הילל בן שחר; em grego na Septuaginta, heosphoros) representa a estrela da manhã (a estrela matutina), a estrela D'Alva, o planeta Vênus, mas também foi o nome dado ao anjo caído, da ordem dos Querubins, como descrito no texto Bíblico do Livro de Ezequiel, no capítulo 28. Nos dias de hoje, numa nova interpretação da palavra, o chamam de Diabo (caluniador, acusador), ou Satã (cuja origem é o hebraico Shai'tan, que significa simplesmente adversário). Atualmente discute-se a probabilidade de Lucifer ter sido um Rei Assírio da Babilônia.»

A Peste Negra, na Idade Média, acicatou os raciocínios para acharem uma explicação para tanto sofrimento. Lúcifer foi responsabilizado. A narrativa da queda do "portador da luz" deu origem a representações de um anjo negro de asas de morcego, espalhando a Peste entre os homens...



quarta-feira, 18 de maio de 2016

O Bem e o Mal - 4

 

Anjos e Demónios

«Daimon ou daemon, é um tipo de ser que em muito se assemelha aos gênios da mitologia árabe. A palavra daimon se originou com os gregos da Antiguidade; no entanto, ao longo da História, surgiram diversas descrições para esses seres.

A descrição original grega os conecta aos elementos da natureza. Assim, há daimons do fogo, da água, do ar, da terra, etc. Seu temperamento liga-se ao elemento que o origina. Não se fala em "bem" ou "mal". Um mesmo daimon pode apresentar-se "bom" ou "mau" conforme as circunstâncias.

Os cristãos, no entanto, utilizando-se de maniqueísmo, dividem todas as coisas em "bem" e "mal". Assim, como Javé representa o "bem", tudo o que possa não estar com ele, estará, necessariamente, contra ele, ou seja, do lado do "mal". Daimons, portanto, a partir da compreensão cristã, foram interpretados como parte do "mal". »

Na Wikipédia versão inglesa a artigo é mais completo e pode ser lido aqui.

Não se trata aqui de fazer valer a Wikipédia como "fonte suprema de Conhecimento". Trata-se de que é do conhecimento geral de quem já se debruçou um pouco sobre o tema, que "demónio" é o mesmo que "daimon", do Grego. E que "daimon" significa Espírito ou Génio.

Nas primeiras versões da Bíblia, em Grego, traduzido do Hebraico, os Espíritos "comuns", geralmente causadores de transtornos, são designados como "daimon". Os Espíritos portadores de mensagens são designados como "ággelus".

A iconografia atribuiu aos "daimon"/demónios as características dos deuses pagãos. Aos "ággelus"/anjos, representou-os com asas e auréolas.

Quando se diz que Jesus expulsava demónios, entenda-se que, perante o seu  ascendente moral, os Espíritos ignorantes e perturbadores se retiravam. Eis o motivo pelo qual alguns exorcismos resultam. Não é pelo Latim do padre ou pelas invectivas do pastor. É porque se estes tiverem qualidades morais e pureza de coração, os maus Espíritos acatam as suas ordens.



O Bem e o Mal - 3

 

O Diabo e o Inferno
O Tártaro dos povos Pagãos era um lugar de sombras, o Reino dos Mortos, em que cada um era punido naquilo em que havia errado. Para os Hebreus, o Sheol era igualmente a morada dos mortos, debaixo da terra também, um lugar de apagamento, em que os que deixavam este mundo experimentavam um estado semelhante ao sono.

Tal como os povos Pagãos, os Hebreus tinham (e mantêm) o conceito de reencarnação. Mas o que lhes interessava, à época em que a sua religião se forjou, nos 40 anos de fuga pelo deserto, era a Terra Prometida, o aqui e o agora. Eram mais materiais que espirituais as preocupações dos Hebreus comuns.

Quando a Bíblia foi traduzida da Língua Hebraica para a Grega, ao termo Sheol fez-se, sem surpresas, corresponder o Hades. Nas Bíblias actuais podemos encontrar, segundo a tradução, uma ou outra palavra, assim como também "sepultura".

Do Grego para o Latim, a Sheol e Hades fez-se corresponder "inferus", que significa "inferior" ou "abaixo de".

Quando hoje pegamos numa Bíblia e lemos a palavra "Inferno" (aportuguesamento de "inferus"), em que pensamos? Nas imagens de caldeirões de azeite a ferver e de tormento eterno, colhidas da Arte Sacra medieval e Renascentista, bem como dos êxtases dos místicos cristãos medievais e posteriores.

A ideia do Inferno, entendida como lugar de eterno tormento, é contrária à Caridade. Nasceu dos conceitos humanos mesquinhos, tal como a ideia do Diabo ou Satã.

"Diabo" vem do Grego "diábolos" e significa "o que separa". Em Latim "diabolus", tem o mesmo significado.

"Satã" vem do Hebraico "stn", e significa "opositor".

No contexto bíblico, as palavras "diabo", e "satã" aparecem como adjectivos. A tradição da Igreja transformou esses adjectivos em substantivos. Onde o texto original queria dizer que apareceu um opositor, um gerador de discórdia, passou a ver-se uma entidade, de chifres, cauda, cornos.

A figura do Diabo como é entendida na cultura popular, é uma amálgama dos diversos deuses Pagãos, Greco-Romanos, sobretudo de Pã/Lupércio (ver imagem).
Esta figura mitológica pagã era particularmente repudiada pela Igreja medieval e posterior, devido a ser instigador de paixões e desejos carnais. A Igreja havia proscrito os prazeres sensuais, como coisas do "Diabo".

E daí, ainda nos nossos dias, a injustiça flagrante de conceber-se um ser rival de Deus, ou um lugar de tormento eterno, lançam na descrença milhões de seres humanos. Não os censuramos.

Infelizmente, o "Diabo" e o "Inferno" são também motivo para muita gente acabar em hospícios, enlouquecida pelo terror. Religiões há que fazem destes "espantalhos" instrumentos para amedrontar as massas ignorantes e as espoliar do dinheiro honestamente ganho a trabalhar, a troco de "protecção".

Em passagem alguma da Bíblia é descrito o Inferno ou o Diabo como estas religiões os apresentam. E ainda que fosse, a Razão rejeitaria tais conceitos, incompatíveis com o do Deus de Amor! 

O Bem e o Mal - 2

 


O Deus dos Hebreus

O ser humano sempre teve a intuição de que existe algo que nos transcende. Os fenómenos naturais foram, desde sempre, atribuídos à intervenção de seres superiores que os supervisionariam. No Antigo Egipto, na Babilónia, na Gália dos Druidas, na Grécia e em Roma; entre os Maias, Incas e Astecas; no Oriente; o ser humano adivinhava um deus para as chuvas, outro para o sol, outro para fazer crescer as plantas, outro para o nascimento, outro para a morte, e por aí fora.
Os Antigos Europeus acreditavam que no Além, a que davam o nome de Hades. As pessoas que em vida tinham sido más, iam ara o Tártaro, uma dependência do Hades. As que tinham sido boas iam para os Campos Elíseos, outra dependência do Hades, onde moravam também os vários deuses, presumivelmente em acomodações dignas de sua condição superior.

Com os Hebreus foi um tanto diferente. Sob o comando de Moisés, o povo Hebreu recebeu a Primeira Revelação: o Deus Único.

No Antigo Testamento, no Livro do Êxodo, encontramos a odisseia desse povo que escapou à escravidão no Egipto e ficou a saber do Deus-Javé, Aquele Que É, o "Deus-sem-nome" que tanto intrigava os outros povos, habituados a imaginar deuses à imagem e semelhança do Homem.

Javé era Espírito, era Todo-Poderoso. A um povo rude, nessas épocas recuadas, foi difícil o entendimento desse Deus, que exige capacidade de abstracção. É famoso o episódio da adoração do bezerro de ouro. Enquanto Moisés recebia os Dez Mandamentos, a Lei Moral que rege a ética da Humanidade desde então, o seu povo depressa voltava aos costumes egípcios: fundem o ouro, esculpem um bezerro e adoram-no, pedindo que os favoreça. Os costumes antigos demoram a perder-se.

Estava ainda longe do entendimento dos Hebreus comuns a ideia de um Deus Bom. A imagem de Deus era ainda muito calcada na dos líderes políticos e militares, nessa época em que Poder era sinónimo de força bruta.

O Deus do Antigo Testamento tem uma imagem austera, por vezes mesmo mesquinha, quando exige formas especiais de ser adorado. Na época, não podia ser de outra forma.

O Bem e o Mal - 1

 

Assim se fazem ateus

Na próxima sexta-feira teremos mais um aniversário do 11 de Setembro, dia do ataque terrorista contra as Torres Gémeas, na cidade de Nova Iorque. No mesmo dia, em Angola, a UNITA incendiava um comboio e matava uma porção de gente. No mesmo dia morreram milhares de pessoas de fome, como morrem todos os dias. No mesmo dia, pessoas perderam a casa e foram morar para debaixo da ponte. No mesmo dia, pessoas sofreram a solidão dos hospitais, dos manicómios, das prisões.
O ataque às torres, difundido pelas televisões, as imagens nos jornais, os relatos jornalísticos, o aparato da tragédia, chocaram por terem sido ceifados milhares de vidas de uma vez. 
Como no Terramoto de Lisboa, em 1755, ou como após as duas Guerras Mundiais que abalaram o mundo no século XX, muita gente se perguntou:

- Como pode haver Deus, e como pode Deus ser bom, se permite tais atrocidades?

Do lado dos religiosos, há quem justifique as tragédias pela acção do Diabo. O Arhiman, o génio do mal que Zarathustra imaginou, 10 mil anos antes da Era Cristã, e que a tradição das religiões cristãs repescou e assimilou aos deuses Gregos que pretendia destronar, continua, nesta época em que se mandam naves espaciais pelo Cosmos, a viver na mente humana.

Mas se o Deus Único, Todo-Poderoso, infinitamente Justo e Bom, admite um rival, chame-se ele Arhiman, o Diabo, Satanás, o Leviatã, a Serpente do Paraíso, o Belfegor, Lúcifer, ou seja o que for?...
Se Deus tiver um rival, não é Todo-Poderoso. Por isso mesmo, o raciocínio recusa a ideia do Deus geralmente apresentado pelas religiões. E assim se fazem ateus.

Por outro lado, se é Deus que provoca ou permite tais catástrofes, então Deus não será Justo nem Bom. E assim se fazem mais ateus.
Há correntes religiosas que explicam as catástrofes por via dos "pecados" da Humanidade, como castigos de Deus. Então todas as pessoas que perecem nas catástrofes são "pecadores"? E os familiares, que sofrem a amargura da perda, também são maus?

Deus então seria mau e vingativo. Não é possível gostar de um Deus assim! E assim se fazem ateus.

Tomando as coisas assim, como não concordar com este vídeo, chamado "Como Ser um Deus Medíocre?".

terça-feira, 17 de maio de 2016

O "Jogo do Copo" é PERIGOSO!


Recebemos mais uma mensagem a pedir para sermos mais claros em relação ao conhecido "jogo do copo". Temos evitado deliberadamente focar muito esse assunto. Preferimos falar de Espiritismo, pois quem conhecer um bocadinho da filosofia espírita saberá que o "jogo do copo" é completamente de evitar!

Numa pequena pesquisa na Internet, verificámos que existem nos motores de busca 627 000 resultados para "jogo do copo" e 126 000 resultados para "regra do jogo do copo"!!!

Grande parte dos artigos alerta para os perigos da brincadeira do copo (que de brincadeira não tem nada), e a página mais vista é uma notícia do jornal Oeste Online, intitulada “Jogo do copo” causa perturbações e leva ao suicídio (NOTA: Artigo entretanto desaparecido).

Ver: 
Correio da Manhã

 
JOGO DO COPO PODE CONDUZIR À MORTE As associações espiritas estão preocupadas com a prática do ‘Jogo do copo’ por jovens sem preparação e alertam para a sua perigosidade, pois há centenas de relatos de adolescentes perturbados com o desafio, alguns dos quais tentaram o suicídio ou recorreram a tratamento médico.

Ler mais em: http://www.cmjornal.xl.pt/nacional/portugal/detalhe/jogo-do-copo-pode-conduzir-a-morte.html
Artigos como este, disponíveis na Internet, deviam ser suficientes para desencorajar completamente todos os candidatos a fazerem o "jogo do copo". Contudo, a curiosidade fala mais alto. E a ficção televisiva e as revistas juvenis muitas vezes abordam este tema como se de uma brincadeira se tratasse, espicaçando em muita gente o desejo de se aventurar no desconhecido.

Vamos tentando responder às questões básicas que nos puseram, tentando ser o mais possível objectivos e claros.
 
 
 

"Jogo do Copo" - Um Caso Típico

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Num dos muitos blogues que falam acerca deste tema, encontrámos uma entrada muito interessante, pois contém muitos elementos característicos do perfil do "jogador do copo" e relata uma experiência também muito comum:
"Todos nós sentimos curiosidade pelo mistico e mitos, pelo que ao mesmo tempo nos fascina e nos amedronta. Uma das coisas que "usamos" é o tabuleiro Ouija."
A autora do blogue é uma adolescente apaixonada pela literatura de ficção fantástica, e pela música "pesada", a condizer. Nos seus posts aborda histórias de deuses, de fantasmas, de monstros, de tudo o que é bizarro e assustador. 
O tabuleiro "Ouija" é uma prancheta com uma espécie de "jogo do copo" pronto a usar. A autora confessa que a possibilidade de contactar com o Desconhecido a fascina e a amedronta, bem como a muitos jovens.
"O tabuleiro Ouija pode ser uma experiencia muito interessante. Alguns acreditam que é uma porta para o outro mundo, o mundo dos mortos, e advertem para o seu uso indiscriminado. Mas a maior parte das pessoas vê o tabuleiro Ouija como uma diversão inofensiva, especialmente se não fôr levado a serio."
Mostra algum conhecimento do que é o tabuleiro "Ouija" e das opiniões correntes acerca deste: é uma brincadeira, mas pode ter consequências sérias.
"Eu, em adolescente, brinquei muito com este tipo de tabuleiro. Juntava um grupo de amigos e levavamos horas a brincar. Não era o tabuleiro Ouija, era o popular jogo do copo. Nada de especial se passava quando faziamos estas "sessões". Nós faziamos as perguntas e algum de nós empurrava o copo."
Sim, é verdade; muitas vezes a brincadeira do copo é uma galhofa pegada. Os participantes estão interessados em se assustarem mutuamente e em enganarem o parceiro, forjando respostas "dos Espíritos".

"Até que um certo dia, um professor faltou. Tinhamos um hora livre na escola e não sabiamos o que haviamos de fazer. Então alguem se lembrou de fazermos o jogo do copo. Uns foram fazer as folhas com as letras, as palavras sim e não, bem e mal. Eu e uma colega fomos ao refeitorio pedir um copo de vidro.
 
Juntaram-se umas 25 pessoas, a turma quase toda á volta do improvisado jogo. Sentados no chão fizemos um circulo, ninguem tocava no copo. Alguem se lembrou a "chamar o espirito" de um colega nosso que tinha falecido havia pouco tempo. 
Fizemos varias perguntas na brincadeira e nada. O copo não se mexia. Estavamos todos concentrados no copo, até que este levita a uns poucos centimetros do chão, começa a tremer violentamente e se parte em mil pedaços pequenos. Ficamos aterrorizados e cada um fugiu pra ser lado."

Cá está... Desta vez a brincadeira foi a sério. Não foi pelo facto de serem 25 pessoas, mas sim porque houve sintonia de pensamentos e vontade de contactar o mundo espiritual. 
Chamaram os Espíritos. Houve uma manifestação e ficaram assustados. Aqui está o cerne da questão: pessoas impreparadas podem ser presa fácil de Espíritos brincalhões que se divertem a assustá-las. Ou podem atrair Espíritos em estados de sofrimento, que acabam por se manifestar de forma traumatizante para os participantes da sessão mediúnica.

"Durante o resto do dia não fizemos mais nada a não ser falar sobre isso nas aulas. Estavamos todos muito nervosos e excitados com toda aquela experiência. Até que o nosso professor de historia, que era um bocadinho excentrico, nos deu uma hipotese plausivel. A força da concentração foi a responsavel pela subita "explosão" do copo. Todos nós temos força telecinetica, uns têm-na mais desenvolvida que outros."

Esteve bem, o professor, na nossa opinião. Tranquilizou os jovens. Mas o facto de se dar um nome a um fenómeno não o explica. Temos um grupo à volta de um copo, concentrado, a chamar um espírito. O copo estilhaça-se sem ninguém lhe tocar. Certamente alguma relação tem que haver entre as duas coisas. Ou então bastaria que nos concentrássemos, para que a "força da concentração" fizesse libertar a nossa "força telecinética" de modo a partirmos copos à distância. E todos sabemos que não é assim!
Até hoje acredito nisso, nada de espiritos malignos nem nada do genero.
Não acredito em espiritos mas tambem não digo: Ver para crer. Prefiro continuar a não acreditar. Mas adoro historias de terror e de fantasmas.
É muito interessante, este depoimento, porque a autora, na sua espontaneidade juvenil, deixa transparecer o raciocínio que muita gente crescida faz: "é possível que exista, as evidências apontam para isso, mas eu escolho não acreditar".
E mesmo quando vêem, não acreditam...

O "Jogo do Copo" - Perguntas e Respostas

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O que é o "jogo do copo"?

Nem é um jogo, nem carece obrigatoriamente que se use um copo.

É uma prática de contacto com os Espíritos, em que várias pessoa apoiam os dedos num copo virado ao contrário. Arrastado pela força dos intervenientes, o copo vai-se dirigindo a letras e números previamente dispostos na superfície de "jogo", formando palavras e frases.

Existem regras para o "jogo do copo"?

Há pessoas que afiançam que sim. Porque certa vez "jogaram" assim ou assado e resultou. Ou porque alguém lhes aconselhou.

Na verdade, é rigorosamente indiferente se se usa um copo, um qualquer outro, ou nenhum, objecto; se se acendem velas ou não, se se "joga" na escuridão, à média luz ou às claras; se os intervenientes estão sérios ou a rir; etc., etc., etc..

Quem são os Espíritos?

Os Espíritos são apenas pessoas como nós, que já viveram na Terra. Tal como nós, há Espíritos mais e menos bem intencionados, pois as pessoas após a morte do corpo físico conservam todas as suas características, a sua maneira de ser, as suas boas e más inclinações.

Além dos Espíritos, podem manifestar-se anjos ou demónios?

Não existem anjos nem demónios. Os chamados anjos são Espíritos evoluídos. Os seres a que a tradição chama demónios são apenas os Espíritos ainda pouco evoluídos, muitas vezes inclinados ao mal, ou simplesmente às brincadeiras de mau gosto.

E que dizer então de anjos como Miguel, Gabriel, Rafael, ou de demónios como Satã, Lúcifer, Belzebu?

Trata-se de interpretações antigas e poéticas de seres e de acontecimentos reais. Refira-se, por exemplo, que a Bíblia não tem referência a demónios ou anjos, a não ser como Espíritos evoluídos ou atrasados.

O que faz mover o copo?

O copo move-se (quando não é empurrado de propósito pelos participantes) pelo efeito da vontade dos Espíritos. Desde que haja pelo menos uma pessoa presente que sirva para esse propósito, os Espíritos podem combinar a sua vontade com a aptidão natural dessa pessoa, e não só fazer mover copos com dedos apoiados, como mover outros objectos, mesmo sem contacto humano.

Os espíritas fazem o "jogo do copo"?

De modo algum! O "jogo do copo" pretende interrogar os Espíritos. Desde a Antiguidade que há quem interrogue os Espíritos, para saber das coisas mais variadas. Chama-se a isso oráculos.

A filosofia espírita não aprova tais práticas, pois vê os Espíritos como pessoas iguaizinhas a nós, e que, como tal, merecedoras de consideração. Por isso, não é razoável estar-lhes a fazer perguntas despropositadas e indiscretas.

Porque se diz que o "jogo do copo" é perigoso?

Porque as pessoas que se entregam a essa prática são habitualmente completamente desinformadas acerca do mundo dos Espíritos. Assim sendo, e dispondo-se a chamar Espíritos para responderem às suas perguntas, podem cair em enganos e apanhar grandes sustos.

Porque comparecem Espíritos quando se faz este "jogo"?

Porque, se há pessoas reunidas para falar com Espíritos, essas pessoas estão imediatamente a atrair Espíritos pelo pensamento. Como as intenções dos "jogadores" são de puro divertimento, há Espíritos que aproveitam para se divertir também. Uns "alinham" efectivamente na brincadeira. Outros divertem-se a apavorar os experimentadores.

As coisas correm sempre mal?

Não. Mas havendo um risco real, é melhor evitar corrê-lo.

É perigoso contactar com os Espíritos?

É sempre perigoso lidarmos com o que desconhecemos. Uma caixa de fósforos nas mãos de um adulto responsável não oferece qualquer perigo. Nas mãos de uma criança pode provocar um incêndio.

Isso quer dizer que só os conhecedores da filosofia espírita podem comunicar com os Espíritos?

De forma alguma. Há outras filosofias e religiões em que há intercâmbio com o mundo espiritual (o Racionalismo Cristão, a Umbanda, o New Spiritualism, etc.).

Mas ao dizerem que o contacto com os Espíritos pode ser perigoso, os espíritas não estão a guardá-lo só para eles mesmos?

Não. Qualquer pessoa pode estudar Espiritismo, os livros sobre Espiritismo estão disponíveis em todos os sites espíritas, os cursos de Espiritismo são gratuitos (como todas as actividades espíritas), e qualquer pessoa pode ouvir palestras espíritas e participar em actividades espíritas. Nada no Espiritismo é secreto.

O Espiritismo consiste, portanto, em falar com os Espíritos?

Não. A grande maioria dos espíritas nunca participou numa reunião de comunicação com os Espíritos.

O que é então o Espiritismo?

É uma filosofia racional e objectiva, que se debruça sobre a natureza, a origem e o destino dos Espíritos e a sua relação com o mundo material.

O Espiritismo visa contribuir para o melhoramento da Humanidade, tendo Jesus de Nazaré como exemplo moral.

O Espiritismo considera que não existem milagres e que tudo é obra de Deus. Por isso o Espiritismo confia na Ciência, que é a descoberta das Leis que regem o mundo material.

Porque existe no Espiritismo o contacto com os Espíritos?

Porque existem médiuns (pessoas com sensibilidade que lhes permite captar ideias e mensagens dos Espíritos).

Porque existem Espíritos que se comunicam.

Porque Deus permite.

Porque é útil.

No Espiritismo o contacto com o mundo espiritual visa apenas:

a) auxiliar o próximo

b) receber mensagens moralmente edificantes

c) pesquisa científica

Nas reuniões mediúnicas espíritas também comparecem Espíritos maus e/ou brincalhões?

Só se lhes for permitido pelos Espíritos mais evoluídos que colaboram nos trabalhos, desde que tal seja útil.
 
 

O «jogo do copo», de jogo, nada tem...



Saibamos separar realidade e ficção, divertimento e imprudência...


O chamado «jogo do copo» é uma verdadeira praga. Quem lida com gente nova está a par da atracção irresistível que a suposta brincadeira exerce. A dada altura, recebíamos tantas perguntas sobre o tema, que criámos esta secção:



A iniciativa não foi nossa, sublinhamos. Estamos bem cientes do efeito «Ainda bem que me lembras!», e não queríamos de modo algum dar ideias às pessoas.

Continuam, embora já com menos frequência, a chegar aqui pessoas (jovens, sobretudo, mas muitos são iniciados nestas «brincadeiras» pelos pais!), que não têm muita paciência para ler os nossos artiguinhos, e nos apresentam as mais diversas perguntas. Estas duas são recentes:
Anónimo 13.7.14 Olhe eu tenho amigas minhas que já fizeram o jogo do copo e eu também gostava muito de o fazer. Eu vou ser sincera a minha fé por deusa esta muito abalada por situações pessoais, mas eu acho que se fizer o jogo do copo e o copo se move-se de realidade a minha fé por deus aumentava pois se os espíritos existem deus também. Eu tenho muito receio quebra o espirito que nos contactar seja das trevas como por exemplo lucifer. Eu ate tem certas coisas que eu acredito que sejam reais pois eu vejo series como o " sobrenatural" e a coisas que tem a sua logicamente. Tudo de bom para o vosso blog.
Anónimo 13.7.14 Tenho uma questão, por exemplo no final do jogo do copo se nos partir o copo e queimar-mos tudo acontence-nos algo de mal? Bjs


A nossa resposta, em versão condensada:

Amigos ou amigas,

- O «jogo do copo» não é uma prática espírita. É uma «brincadeira» tão desaconselhável como alguém andar a guiar sem carta de condução.

- Não brinquem com o lado de «lá» da vida. O mundo dos Espíritos é uma outra dimensão. Quando o nosso corpo morre, é para lá que vamos, os bons, os maus e os indiferentes.

- O «jogo do copo» é um abrir a porta a quem queira entrar. E, como os bons Espíritos não são dados a esse tipo de brincadeiras, aparecem os Espíritos que não têm escrúpulos de se aproveitar do vosso desconhecimento, e se divertem a assustar-vos, manipulando a vossa boa fé e inexperiência.

- Em vez disso, porque não aderem a a uma associação espírita, onde podem juntar-se a um grupo juvenil, estudar Espiritismo, conviver, participar em actividades sadias como a música, a protecção da natureza, etc.?

- É correcto o vosso raciocínio de que se os Espíritos existem, Deus existe.

- Lúcifer não existe. Aparece na Bíblia, em diversos contextos, como designação de alguém que é «portador de luz». Diabo também não existe, é um adjectivo que significa «opositor», e não uma criatura ou uma «força» qualquer.

- Cuidado para não levarem as séries de TV à letra. Há algumas bem interessantes. O «Em Contacto», com a Jennifer Love Hewitt (na imagem, em cima), é uma série que tem muito de verdadeiro. Mas com as séries de terror é diferente: são concebidas para meter medo. Cuidado, portanto, para não estragarem as vossas boas noites de sono por causa de truques Hollywoodescos :-)

- Com o «jogo do copo» não vem o Lúcifer, porque não existe, mas pode bem vir algum engraçadinho a dizer que é isto e aquilo, e vocês ficam em pânico.

- Sobre a «desilusão com Deus»: estudem Espiritismo, que vão perceber muita coisa: www.adeportugal.org/cbe


Abraço


José Reis Chaves - Diabo, satanás, lúcifer, serpente e dragão não são demônios

José Reis Chaves

Nem espíritos são, mas apenas símbolos do mal
Publicado no Jornal O TEMPO em 20/06/2011


 

Diabo, satanás, lúcifer, serpente e dragão não são demônios

A divisão do cristianismo em milhares de igrejas deve-se à instituição de doutrinas polêmicas dogmáticas pelos teólogos. A sua primeira grande divisão ocorreu em 1054, quando o arcebispo de Constantinopla Cerulário fundou a Igreja Católica Ortodoxa Oriental.

E, em fins do século XVI, foi a vez da Reforma Protestante de Lutero, que rachou de vez o cristianismo, mas contribuiu muito para com o enfraquecimento da Inquisição. E, com o surgimento do protestantismo, a Igreja realizou o Concílio Ecumênico de Trento (1545 a 1563), que corrigiu alguns de seus erros.

Na segunda metade do século XIX, Kardec, "o bom senso encarnado", tornou-se o mais importante reformador do cristianismo, pois ele ensinou, de acordo com a orientação de espíritos santos, o estudo racional da Bíblia, sem os erros e abusos das interpretações literais e metafóricas, pelo que o espiritismo é considerado o Consolador prometido por Jesus.

E, hoje, a Igreja tem também as suas divisões: os fundamentalistas adeptos da TFP e os carismáticos. Geralmente, essas duas correntes travam as ideias inovadoras da Igreja. Por isso são frequentes os seus conflitos com os padres e até com bispos. E, hoje, os carismáticos estão descobrindo a mediunidade, pois é inevitável que haja entre eles médiuns especiais, ou seja, os que imantam (incorporam) espíritos. E muitos deles estão procurando as casas espíritas para se esclarecerem sobre os fenômenos mediúnicos (espirituais no dizer de são Paulo) que ocorrem com eles em suas reuniões, pois o dom da mediunidade não escolhe religiões. Nas palestras que faço pelo Brasil afora, tenho observado essa frequência de carismáticos nas casas espíritas. E carismático ("carismata", em grego) significa também médium.

Os espíritos manifestantes, como nos mostram Paulo (1 Coríntios, capítulos 12, 13 e 14; e 1 João, 4:1), a Vulgata Latina e o espiritismo, podem já ser santos (evoluídos) ou ainda maus (atrasados), mas todos são humanos e não de outra categoria de espíritos. Diabo, satanás, dragão etc não são espíritos, mas símbolos, e menos ainda Deus, que uns chamam de Espírito Santo. Não sigamos os erros dos teólogos do passado. Recomendo, pois, aos estudiosos da Bíblia o exame dos seus textos livres dos dogmas, os originais gregos do Novo Testamento e a Vulgata Latina, para se certificarem dessas verdades e as poderem difundir, colaborando, assim, para com a correção de um dos grandes erros do cristianismo, que, inclusive, incrementa o crescimento do materialismo. A maioria dos autores de livros a respeito do Apocalipse afirma que, quando João o escreveu (em 95), o povo acreditava que Nero havia voltado à vida em Domiciano. Mas não se trata da reencarnação do espírito de Nero em Domiciano, pois esses dois imperadores romanos eram contemporâneos. O que aconteceu é que o espírito de Nero obsediava Domiciano (o encosto popular). Nero, a primeira besta, morreu, mas voltou à vida em Domiciano (Apocalipse 13: 3 e 14).

E atentemos para o fato de que é do próprio são João esse princípio espírita de obsessão ou possessão de Domiciano pelo espírito humano (demônio) de Nero, e não pelo diabo, satanás, lúcifer, a serpente ou o dragão, que, como vimos, nem espíritos eles são, mas apenas símbolos do mal!

PS: Fórum Nacional de Mediunidade e Paranormalidade, da Associação Educacional Terceiro Milênio, em Florianópolis (SC), sob coordenação do médico e escritor Ricardo Di Bernardi, em 1º de outubro de 2011. Contato: www.3milenio.org


Obs.: Esta coluna, de José Reis Chavez, às segundas-feiras, no diário de Belo Horizonte, O TEMPO, pode ser lida também no site http://www.otempo.com.br/. Ela está liberada para publicações. José Reis Chavez é autor dos livros “A Face Oculta das Religiões”, “A Reencarnação na Bíblia e na Ciência” Ed. EBM (SP) e “A Bíblia e o Espiritismo”, Ed. Espaço Literarium, Belo Horizonte (MG) – http://www.literarium.com.br/. e-mail: jreischaves@gmail.com

Os livros de José Reis Chaves podem ser adquiridos também pelo e-mail: contato@editorachicoxavier.com.br e o telefone: 0800-283-7147.

Uma Bibliografia dos Diabos



Este blogue aborda as questões do céu e do inferno, dos anjos e dos demónios, muito pela rama. A quem queira saber mais, aconselhamos a obra «Visão Espírita da Bíblia», de José Herculano Pires, disponível para download, bem como estas obras:

ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985.

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa, Edições 70, 1979.

CAMPBELL, Joseph. A transformação do mito através do tempo. São Paulo, Cultrix, 1995.

DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800): uma cidade sitiada. São Paulo, Cia. das Letras, 1989.

DURANT, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução a arquitipologia geral. Lisboa, Estampa, 1989.

FONSECA, Luís A. “Prefácio”. In: NOGUEIRA, Carlos R. F. O Diabo no imaginário cristão. Bauru, Edusc, 2000.

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, Ed. Loyola, 1992.

HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo, Martins Fontes, 1995.

JAMESON, Frederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Ática, 1997.

LINK, Luther. O diabo: a máscara sem rosto. São Paulo, Cia das Letras, 1998.

MESSADIÉ, Gerald. História geral do Diabo: da Antiguidade à Idade contemporânea. Mira-Sintra, Publicações Europa-América, 2001.

MINOIS, Georges. O Diabo: origem e evolução histórica. Lisboa, Terramar, 2003.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro, Forense, 1969.

MUCHEMBLED, Robert. Uma história do Diabo: séculos XII-XX. Rio de Janeiro, Bom Texto, 2001.

NÉRET, Gilles. Devils. Köln, Taschen, 2003. (Icons).

NOGUEIRA, Carlos R. F. O diabo no imaginário cristão. Bauru, Edusc, 2000.

PRAZ, Mario. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Campinas Editora da Unicamp, 1996.

RUSSELL, Jeffrey B. Mephistopheles: The devil in the Modern World. Ithaca/ London, Cornell

UP, 1990. Lúcifer: o diabo na Idade Média. São Paulo, Madras, 2003.

STANDFORD, Peter. O Diabo: uma biografia. Rio de Janeiro, Gryphus, 2003.

Nota: desaconselhável a pessoas de um livro só.

Um documentário dos diabos...

 

O popular site youtube, através do canal documentarioz, divulga um documentário muito interessante, intitulado "A História de Satanás", no qual historiadores, antropólogos e outros especialistas traçam a evolução do mito popular do "diabo". A par com muito "lixo" que pulula pelo youtube, esta é uma peça com valor:

 

O texto introdutório do documentário, e o próprio documentário, estão em consonância com o que temos escrito na secção "Anjos e Demónios", deste blog:

«Satanás ou Satã (do hebraico שָטָן, adversário/acusador, no koiné Σατανάς Satanás; no aramaico צטנא, em árabe شيطان) é um termo originário da tradição judaico-cristã e geralmente aplicado à encarnação do Mal em religiões ditas monoteístas.

Origem e etimologia:

A palavra שָטָן (significando adversário, acusador) assim como o árabe الشيطان (shaitan), derivam da raiz semítica šṭn, significando ser hostil, acusar.. O Tanakh utiliza a palavra שָטָן para se referir a adversários ou opositores no sentido geral assim como opositores espirituais. Já o Novo Testamento utiliza o termo como um nome próprio que designa uma entidade sobrenatural que teria se rebelado contra Deus e que agiria contra este (baseados em um texto obscuro de Ezequiel, Capítulo 28, Versículos 12 ao 19 ). O termo grego Σατανάς aparece na Septuaginta e no Novo Testamento.

Igreja Católica:

Segundo a igreja católica, Lúcifer era o mais forte e o mais belo de todos os Querubins. Então, Deus lhe deu uma posição de destaque entre todos os seus auxiliares. Segundo a mesma, ele se tornou orgulhoso de seu poder, que não aceitava servir a uma criação de Deus,"O Homem",e revoltou-se contra o Altíssimo. O Arcanjo Miguel liderou as hostes de Deus na luta contra Lúcifer e suas legiões de anjos corrompidos; já os anjos leais a Deus o derrotaram e o expulsaram do céu, juntamente com seus seguidores. Desde então, o mundo vive esta guerra eterna entre Deus e o Diabo; de seu lado Lúcifer e suas legiões tentam corromper a mais magnífica das criaturas mortais feitas por Deus, o homem; do outro lado Deus, os anjos, arcanjos, querubins e Santos travam batalhas diárias contra as forças do Mal (personificado em Lúcifer). Que maior vitória obteria o Anticristo frente a Deus do que corromper e condenar as almas dos humanos aos infernos, sua morada verdadeira?

A aparência de Lúcifer pode variar; acredita-se que ele (chamado agora de Diabo), pode assumir a forma que desejar, podendo passar-se por qualquer pessoa. Seu aspecto físico criado pela Igreja em seus primeiros séculos (e posteriormente herdado pelas várias religiões cristãs) fora copiado de várias entidades das mitologias e religiões de diferentes povos antigos (não exatamente ligadas a maldade); Seu reino, os Infernos, sofreu influência do Tártaro da mitologia grega, morada de Hades, local para onde iam as almas dos mortos, cuja porta de entrada era guardada por Cérbero, o Cão de três cabeças; seus chifres eram de Pam , uma entidade grega protetora da natureza; sua fama de representar uma força eternamente em conflito com Deus veio do Zoroastrismo. Ainda encontramos coincidências com as crenças dos antigos Egipcios, quando se acreditava que o Deus Anubis (o Chacal) carregaria a alma dos mortos cujo coração ao ser pesado numa balança, seria mais pesado que uma pluma.

Durante a " baixa Idade Média",entretanto, que o "Anjo Decaído" ganhou a hedionda aparência com a qual o conhecemos hoje; asas de morcego, pés de bode, olhos de fogo, chifres enormes na cabeça, olhar aterrorizante, etc. A idade das trevas fora um momento fértil para a propagação nas crenças nas ações de forças demoníacas agindo sobre o mundo. Os milhões de mortos nas epidemias de peste negra vieram, juntamente com a ocorrência de guerras sangrentas, de que "o Anticristo estaria atuando no mundo". Foi aí que Lúcifer passou a representar a personificação do mal da forma mais intensa e poderosa que conhecemos hoje. Surge a crença de que para cada ser humano vivo na Terra, Lúcifer criou um Demônio particular, encarregado de corromper aquele indivíduo; já Deus, não poderia deixar por menos, e criou para cada ser humano um "Anjo da Guarda" ao qual incumbia da missão de proteger e zelar pela alma daquela pessoa.

Interessante observar que o próprio Jesus Cristo é a estrela da manhã que ilumina até o fim dos tempos toda escuridão (trevas), como em Apocalipse 22:16 onde está escrito: "Eu, Jesus, enviei o meu anjo. Ele atestou para vocês todas essas coisas a respeito das Igrejas. Eu sou a raiz e o descendente de Davi, sou a estrela radiosa da manhã.". Assim como em II Pedro 1,19 que diz: "E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumina em lugar escuro, até que o dia amanheça, e a estrela D'alva apareça em vossos corações.".

A palavra Lúcifer significa "o portador da luz" ou "o portador do archote" (a palavra tem sua origem no latim, lux ou lucis com o significado de "luz"; ferre com o significado de "carregar"). Ou seja, de acordo com a origem, seu significado é "aquele que carrega a luz". Apesar de Satanás ser originalmente conhecido como Lúcifer, perdeu seu posto ao desejar subir a alturas acima de Deus e de Seu Filho Jesus Cristo.»

O Céu e o Inferno - 3


No tempo de Jesus, os conceitos acerca da vida futura eram vagos, e havia divergências. Alguns grupos judaicos eram materialistas, acreditavam que com a morte do corpo tudo acabava. Outros eram, como hoje, reincarnacionistas. Outros ainda, criam na ressurreição, embora com contornos imprecisos; criam que se voltaria a viver, mas não sabiam exactamente como.

Após a morte do corpo, o destino das almas era, como vimos, anteriormente, o Seol. O Seol era um lugar de espera, de inacção, de um certo"apagamento" da alma. Crê-se que o verbo hebraico shaál, que significa "pedir; solicitar", seja a origem do termo Seol. Assim, a sepultura física, era mais que o lugar onde jaz o corpo material. Era a condição da alma da maioria dos homens, e não um lugar.

Vejamos o que diz a Encyclopædia Britannica (Enciclopédia Britânica; 1971, Vol. 11, p. 276), acerca do Seol:

"O Seol estava localizado em alguma parte 'debaixo' da terra. A condição dos mortos não era de dor nem de prazer. Nem a recompensa para os justos nem o castigo para os iníquos estavam relacionados com o Seol. Tanto os bons como os maus, tiranos e santos, reis e órfãos, israelitas e gentios — todos dormiam juntos sem estarem cônscios uns dos outros."

No Antigo Testamento, o Seol aparece referido 65 vezes, a saber, em:

Génesis 37:35; 42:38; 44:29, 31
Números 16:30, 33
Deuterónimo 32:22
1 Samuel 2:6
2 Samuel 22:6
1 Reis 2:6, 9
Job 7:9; 11:8; 14:13; 17:13, 16; 21:13; 24:19; 26:6
Salmos 6:5; 9:17; 16:10; 18:5; 30:3; 31:17; 49:14, 15; 55:15; 86:13; 88:3; 89:48; 116:3; 139:8; 141:7
Provérbios 1:12; 5:5; 7:27; 9:18; 15:11, 24; 23:14; 27:20; 30:16
Eclesiastes 9:10
Cântico dos Cânticos (de Salomão) 8:6
Isaías 5:14; 14:9, 11, 15; 28:15, 18; 38:10, 18; 57:9
Ezequiel 31:15, 16, 17; 32:21, 27
Oseias 13:14
Amos 9:2
Jonas 2:2
Habacuc 2:5.

A Nova Enciclopédia Católica define assim o Seol:

"Na Bíblia, designa o lugar de completa inércia ao qual se desce quando se morre, quer alguém seja justo, quer iníquo, rico ou pobre." (Vol. 13, p. 170, em inglês).

O Seol, segundo Samuel Peake, em A Compendious Hebrew Lexicon, é:

"O receptáculo comum ou região dos mortos; chamado assim por causa da insaciabilidade da sepultura, a qual como que sempre pede ou quer mais". (Cambridge, 1811, p. 148)

O Seol era, portanto, para os Hebreus Antigos, o lugar vago, indefinido, para onde iam todos os que morriam. A morte do corpo, para a maior parte dos Judeus, não significava o fim do Ser. Então, o Seol era o equivalente judaico ao Hades, ao reino das sombras das culturas Grega e Romana.

Nas primeiras traduções da Bíblia, com destaque para a famosa Septuaginta, vertida do Hebreu para o Grego por mais de 70 rabis, a palavra Seol foi precisamente traduzida por Hades.

Olhemos então para a imagem que ilustra esta entrada. Trata-se de uma pintura contemporânea de O Auto da Barca do Inferno, referido no primeiro post desta série. Podemos apreciar nesta pintura, de autor desconhecido, patente no Museu Nacional de Arte Antiga, um outro tratamento criativo do tema do Inferno, tal como Gil Vicente, Dante Alighieri, Miguel Ângelo, Luciano de Samósata, Salvador Dali, e tantos outros artistas fizeram.

Posto isto, perguntar-se-á:

O que é o Inferno, afinal? É o Seol, ou Hades?

Demos a palavra a Brynmor F. Price e Eugene A. Nida, que escreveram em A Translators Handbook on the Book of Jonah, 1978, p. 37:

"A palavra ocorre muitas vezes nos Salmos e no livro de Job para se referir ao lugar ao qual vão todos os mortos. É representado como lugar escuro, em que não há actividade digna de menção. Não há distinções de moral ali, de modo que "inferno" não é uma tradução apropriada caso sugira um contraste com o "céu" como morada dos justos após a morte. De certo modo, "a sepultura", em sentido genérico, é um equivalente próximo, excepto que Seol é mais uma sepultura em massa, em que todos os mortos moram juntos."

Não porque Price e Nida escreveram, mas porque toda a História o comprova sem margem para dúvidas, o Seol Judaico que aparece no Antigo testamento não é o Inferno da tradição popular, reproduzido durante séculos na imaginação colectiva pelas interpretações alegóricas dos artistas e pelos êxtases dos místicos.

De onde vem então a palavra "inferno"?

A Bíblia não foi apenas traduzida para o Grego, como sabemos. O Latim, outra Língua dominante do Mundo Antigo, também precisou de encontrar um equivalente a Seol e Hades. Escolheu-se a palavra inférnus (ou ínferus), que em Latim quer dizer "o que jaz por baixo", ou "região inferior". Uma escolha ajustada se tivermos em conta a visão cosmológica Clássica, que ilustra o post anterior desta série, e que voltamos a reproduzir:



Veja-se a linha que separa a terra do céu, os "abismos das águas" (não se sabia que a Terra era redonda, os "pilares da Terra", e lá no meio, o Seol, Hades ou Inferno.

Não encontramos na Bíblia, Antigo ou Novo testamento, qualquer referencia a um lugar de tormento ardente, caldeirões, torturas eternas. Tal concepção, veiculada durante séculos como "papão" auxiliar na conversão das massas, repugna ao raciocínio dos nossos dias, que só pode conceber Deus como Infinitamente Justo e Bom. Ora, se a Justiça imperfeita dos Homens não condena ninguém a tais suplícios, pretender que Deus o faça é fazer fraca ideia dEle...