Charles Richet
No cenário social e político do Estado Novo, é muito bem possível que não tivesse havido mesmo lugar para a actividade espírita às claras, por muita diplomacia que se tivesse usado. A polícia política do regime temia todos os ajuntamentos em que se trocasse ideias. Ao contrário do caso brasileiro, em que a craveira intelectual e social dos dirigentes espíritas poupou o movimento à perseguição, a ditadura portuguesa temia o pensamento livre sob todas as formas, e por isso apressou-se a criar um estratagema para se ver livre do incómodo do Espiritismo, vivência cristã em espírito e em verdade, sempre pugnando pela igualdade de todos os seres humanos, em dignidade, direitos e deveres.
No Decreto citado no post anterior, dizia-se que "todo o consultório médico, seja qual for a sua designação ou modalidade, que funcione sem que seja dirigido por médico ou médicos sem condições de exercer a profissão", seria encerrado.
É claro que um laboratório de pesquisas metapsíquicas não é um consultório médico. No entanto, para salvaguardar possíveis impedimentos legais, o referido laboratório contava com dois médicos, dois pesquisadores em Metapsíquica, na sua direcção. Não foram estes considerados aptos, sem que o Governo tenha explicado porquê, recordamos. Sendo pedido que fossem nomeados pelo Governo médicos "mais capazes", a "afronta" foi punida com o encerramento da Federação e a perseguição aos espíritas, que durou até 1974.
Para além do património confiscado arbitrariamente, os danos morais ao movimento espírita foram enormes. O estigma de se ser metido no mesmo saco da charlatanaria persiste até hoje.
Já no primeiro Congresso Espírita Português, uma das principais preocupações dos espíritas portugueses era o esclarecimento do público sobre os oportunistas sem escrúpulos que então atingiam números estrondosos em Portugal, aproveitando-se do padecimento alheio para espoliarem os seus incautos clientes. E já então a esse tipo de tratantes servia à maravilha acrescentarem à lista dos seus supostos dons o de serem "espíritas", querendo com isto dizer que comunicavam com os Espíritos.
Escusado será dizer durante anos os médiuns comerciantes (habitualmente muito ignorantes, mas astutos e oportunistas) continuaram a usurpar um nome em voga, o de "espíritas", para embelezarem os seus currículos.
De tal forma que ainda hoje é frequente os próprios meios de comunicação (televisões, rádios, jornais), sempre sedentos de espectáculos aberrantes, apresentarem como "espíritas" as mais estouvadas criaturas...
Para que conste, aqui vai uma definição "wikipédica" da famosa Metapsíquica:
Richet, estudando a mediunidade dividiu a Metapsíquica em dois grupos: "Metapsíquica Subjectiva" e "Metapsíquica Objetiva", classificando-os com base na sua divisão em Mediunidade de Efeitos Físicos e Mediunidade de Efeitos Psíquicos, compreendendo a primeira os telecinésicos; e a segunda, os criptestésicos.[2]
A Metapsíquica, tal como a Parapsicologia, que lhe sucedeu, estudava os fenómenos paranormais, já abordados por Allan Kardec de forma sistemática em O Livro dos Médiuns, de 1861.
A abordagem espírita é sempre tríplice: filosofia, moral e científica. Já a Metapsíquica, como a Parapsicologia, estudam os fenómenos sem lhes extraírem outras ilações que não as científicas.
E é por isso que o Espiritismo é uma doutrina peculiar. Porque não separa Religião e Ciência, que no pensamento corrente se excluem mutuamente.
Uma das questões levantadas pelos detractores, na altura do "cerco" ao Espiritismo em Portugal, era a de que o Espiritismo, não sendo religião, não podia ter existência legal. Por outro lado, sendo religião, não podia ocupar-se de Ciência.
Mero jogo de palavras, mera retórica jesuítica. O Espiritismo, por se ocupar das coisas de Deus, e por preconizar um roteiro moral condizente, é, filosoficamente, uma religião. Não o é formalmente, na medida em que não tem nada do que é típico das religiões, como sejam o sacerdócio, os rituais, os sacramentos, a idolatria ou os dogmas inquestionáveis.
Como ciência, o Espiritismo não é uma ciência na acepção académica do termo. É o que se chama uma ciência de observação, ou seja, é comparável à actividade do astrónomo ou do ornitologista amadores, que observam corpos celestes ou aves. Tratando-se de amadores, as observações destes entusiastas não deixam de ser verdadeiras. O mesmo faz o Espiritismo, que, não tem lugar para o profissionalismo (não há espíritas profissionais e muito menos cientistas espíritas profissionais). Contudo, as observações e estudos efectuados pelo Espiritismo, não são seu domínio exclusivo. A pesquisa científica é livre, e o Espiritismo só pode congratular-se, quando cientistas, sejam eles espíritas ou não espíritas (como Charles Richet), corroboram as assertivas da nossa doutrina.
Ora, se não passa pela cabeça de ninguém proibir os amadores de espreitarem as aves pelos binóculos ou as estrelas pelos telescópios, por daí não advir mal para a Sociedade e por se tratar de Cultura, também não passa pela cabeça de ninguém proibir as pesquisas feitas no âmbito das actividades espíritas.
Com acrescida razão, não passa pela cabeça de ninguém honesto proibir o Espiritismo por, na sua opinião, ser uma religião "menor"...
Mas - subtileza das subtilezas - o Espiritismo, sendo a única religião que se curva ao veredicto da Ciência e que não a coloca em plano inferior nem como departamento menor da Verdade, o Espiritismo foi e é perseguido porque, na opinião de alguns, a fonte da Doutrina não é fiável...
É que se algumas hierarquias religiosas aceitarem que as vozes dos Céu podem falar aos homens, a sua condição de intermediários que se crêem na posse de procuração do Altíssimo, fica de certa forma diminuída. É, portanto, uma questão de desemprego...