Divaldo Franco
O Espiritismo não veio ameaçar nenhuma religião. Não veio tentar arrebanhar adeptos de nenhuma religião. Não veio provocar quaisquer conflitos ou hostilizar fosse quem fosse. A proposta espírita é de aproximação entre os Homens e de glória a Deus.
No entanto, os que temem o livre-pensamento e sentem ameaçadas, sem razão, as suas "capelinhas", quando o movimento atingiu maior visibilidade, apressaram-se a silenciá-lo. Havia cidades portuguesas que possuíam jornais espíritas diários, versando Doutrina Espírita, sem intuitos políticos ou proselitistas. Floresciam as publicações, as conferências, a fraternidade extensiva a todos, fossem eles espíritas ou não. O Espiritismo em Portugal apresentava uma vitalidade rara no panorama mundial.
Com a proibição oficial das actividades espíritas não se silenciou totalmente o Espiritismo em Portugal. Três associações mantiveram actividades de assistência social. Algumas conferências públicas iam tendo lugar. Mas sob o movimento pairava o estigma de tudo o que é proibido. De 1953 a 1974, ser-se espírita passou a ser considerado "subversivo".
Portugal deixou por exemplo de poder receber livremente expositores espíritas estrangeiros. Divaldo Franco, o brilhante médium e conferencista brasileiro, foi dos que "sobrevoavam" corajosamente a proibição, e nunca deixou de visitar Portugal e as suas Colónias. Ficaram célebres entre os espíritas da altura as jornadas gloriosas em que Divaldo, em cima de um atrelado de tractor, à luz da Lua, fazia as suas palestras, que muitas vezes acabavam abruptamente com o aviso da aproximação da polícia política e a consequente debandada dos espíritas pela serras e pelos pinhais.
Foi uma época que teve semelhanças com a perseguição aos Judeus declarada pelos Reis Católicos, de Espanha, e pelo Rei D. Manuel I, em 1496. Se ainda hoje, em regiões portuguesas como a Beira Interior, os adeptos do Judaísmo ainda se reúnem com certa precaução, é fácil de imaginar o ferrete que ainda marca o Espiritismo em terras lusas...
Foi um tempo que ficou conhecido como das "catacumbas", porque o Espiritismo passou à clandestinidade. O tempo das "catacumbas" teve consequências para o movimento espírita nacional. O isolamento dos espíritas em pequenos grupos clandestinos, familiares, fez com que se perdesse muita da qualidade que só se consegue com o intercâmbio, o convívio, a aprendizagem constante em clima aberto.
Quando em 1974 se reconquistaram as liberdades democráticas, o movimento espírita encontrava-se paralisado pela longa inacção. Os antigos impulsionadores estavam avançados na idade. Os que mantiveram grupos familiares, habituados ao isolamento e sem capacidade de mobilização. Foi altamente meritória a actividade de todos os que se esforçaram por reactivar os grupos espíritas, por reconstruir a Federação, e por voltar a divulgar a Doutrina.
A reorganização foi lenta. Muitos núcleos espíritas tardaram a abrir portas ao público. E muitos dos que o fizeram continuaram a praticar um Espiritismo a que se habituaram durante os longos anos da proibição, pouco dado ao estudo e com laivos místicos pouco condizentes com a verdadeira essência da Doutrina. Alguns centros ditos espíritas mais se assemelhavam a centros mediúnicos, em que o fenómeno tinha toda a prioridade e o estudo era relegado para segundo plano. Não é raro ainda hoje encontrarem-se espíritas que nunca leram as obras básicas, por as suas leituras terem sido orientados essencialmente para descrições romanceadas do mundo espiritual.
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