segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Ditaduras



Vale a pena analisar-se mais um pouco o artigo de C. Maia, dado à estampa no jornal católico "Novidades", em Abril de 1953, ano de todos os ataques ao Espiritismo em Portugal. Não que tenha sido único ou que tenha sido especialmente acutilante. É apenas porque foge ao tom jocoso e grosseiro habitual, e ensaia uma postura de seriedade, escudado na opinião de Egas Moniz.
A obra "Ao lado da Medicina", de Egas Moniz, a páginas 21-23, trata de superstições e cataloga como superstição "o espiritismo", ou aquilo a que, por desconhecimento ou espírito de seita, decidiu que é o Espiritismo.

Egas Moniz avalia "a nova religião, se assim lhe podemos chamar" como contando no mundo "para cima de doze milhões de prosélitos". E acrescenta que "A Imprensa ocultista é numerosa; a propaganda é imensa. Em 1904, já existiam cento e trinta revistas e jornais diversos e o seu número não deve ter diminuído."

A preocupação de Moniz parece ser com os números que a seu ver ameaçavam a hegemonia das ideias que lhe eram caras... Factos, os tais factos que comprovariam que "o Espiritismo não gera uma psicose especial, mas concorre para a expansão da loucura", esses, não há.

Há a citação do psiquiatra Lévy-Valinsi, que chamou ao Espiritismo a "ante-câmara da loucura". E do austríaco Donath, que o classificou de "superstição vergonhosa para o nosso tempo, pois embrutece o povo e é perigosa para a saúde".

Egas Moniz, na mesma linha da acusação cega e infundada, não se coíbe ainda, de afirmar que "São os débeis mentais, os degenerados, os psicacténicos, os indivíduos de limitada instrução e grande sugestionabilidade que formam a corte dos adeptos mais fervorosos. Sem essa acção prejudicial, todos esses indivíduos poderiam estacionar na vida social, com relativa normalidade. Diz George Dumas que entre os doentes mentais, por ele observados, de tipo paranóide e de delírio de influência, sessenta por cento tinham praticado o espiritismo. Sinistra superstição em que a fraude e - o que é pior - actos delituosos se praticam, segundo informa Goriou, que frequentou esses meios.

A estratégia, já então nada inovadora, foi a de catalogar como "espiritismo" tudo o que tivesse, de perto ou de longe, a ver com mediunismo. Ou seja, onde se falasse de comunicações com o Além, reais ou meras fraudes, o carimbo de "espiritismo" passava a ser aplicado pelas autoridades e pela Imprensa afecta ao regime e ao seu pensamento único, totalitário.
Assim, não admira que a exploração comercial da mediunidade, quantas vezes a par com a superstição mais ingénua e a trafulhice mais desbragada, passasse a ser contada no rol dos males do "espiritismo".

Os obsidiados, que, hoje como ontem, enchem os hospícios, caso tivessem apresentado indícios de fenómenos mediúnicos, eram, como hoje são, igualmente postos no rol dos "espíritas".

Ontem como hoje, não falta quem, ao ver um médium espontâneo a cair na rua, a contorcer-se e a falar com outra voz que não a sua, logo sentencie que se trata de "espiritismo"... nessa ordem de ideias, assimilando tudo o que é charlatanaria mística e mediunidade descontrolada à designação genérica de "espiritismo", tudo é espiritismo, nada é espiritismo, e toda essa argumentação de nada vale, por ser absurda, por ser indigna de pessoas que se tenham na conta de intelectualmente honestas, e que, por professarem uma determinada religião, deveriam ser as primeiras a respeitar quem, como eles, professa a crença que mais lhe fala ao coração.

Não era menos médica que Egas Moniz, Amélia Cardia, uma das primeiras mulheres médicas portuguesas. E era espírita. Não eram menos médicos os que se propuseram iniciar o laboratório de pesquisas metapsíquicas, que serviram de pretexto à ofensiva final contra a Federação Espírita Portuguesa.

Não eram menos sérios, nem menos cultos, nem menos dotados de senso, todos os espíritas que deram corpo à F.E.P., que geriam as suas publicações, que promoviam o seu estudo e a sua divulgação. Mas os detractores do que julgam ser o Espiritismo sempre descobrem que no cérebro dos mais eminentes cidadãos, sob todos os pontos de vista impecáveis, jaz, meio escondido, um ponto fraco e impressionável que os torna ingénuos como crianças perante o "embuste espírita".

Não era menos médico nem menos Nobel da Medicina, Charles Richet, que, não sendo espírita, estudou a mediunidade e concluiu pela sua veracidade inquestionável, no seu "Tratado de Metapsíquica".

Não era menos médico o médico e espírita francês Gustave Gelley, que, na mesma época, lograva conclusões opostas às de Moniz. Porque era espírita? Não. Porque estudava sem preconceito. Sobretudo porque estudava.

Não só não forma loucos, como forma homens melhores, que se esforçam por ultrapassar imperfeições.

A prática mediúnica no Espiritismo não só não forma loucos como forma pessoas equilibradas. Segundo estudos médicos sistemáticos, divulgados no Jornal de Espiritismo, edição da Associação de Divulgadores de Espiritismo de Portugal, os médiuns espíritas gozam, em média, de mais saúde metal que a média da população.

Os protagonuistas da narrativa Bíblica que expulsavam os maus Espíritos e dialogavam com os bons, à luz da ciência destas luminárias prevenidas da Medicina, como Egas Moniz, seriam decerto considerados loucos ou endemoninhados.

A campanha do "Novidades", que fez publicar artigos jocosos e boçais, associando o nome do Espiritismo aos desmandos que davam na real gana dos articulistas, revestiu-se de aspectos persecutórios de quem sabia a luta desigual. Do lado espírita, Manuel Caetano de Sousa, na "Revista de Metapsicologia", respondia com educação e com seriedade. O "Novidades" batia nas teclas da mistificação, do delírio, da crendice, da bruxaria, num estilo de fazer inveja aos tão injustiçados carroceiros, que os havia e há bem mais educados. E sobretudo dotados de senso-comum, pois é um vivo contra senso um jornal de orientação religiosa negar à partida, com os argumentos monolíticos dos materialistas, um dos mais belos atributos com que Deus dotou o ser humano: a possibilidade de sentir o pulsar do mundo espiritual, o reino dos Céus de que Jesus falava, e de testemunhar as comunicações daqueles a que os antigos chamavam os Anjos, e que são os Bons Espíritos, as almas dos homens que viveram na Terra.

A Terra, essa, como dizia Galileu, continua a girar, indiferente aos decretos papais que a mandam estar quietinha...

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