A Origem do Mal
Nos posts
anteriores analisámos as origens mitológicas das figuras que ainda
habitam o imaginário colectivo e a cultura popular, como responsáveis
pelos males da Humanidade.
Demos
especial atenção aos mitos que estão na origem da nossa cultura
religiosa, no mundo ocidental. E focámos, ainda que pela rama, os
conceitos bíblicos de Diabo, Satanás, Inferno, Lúcifer.
Recapitulando:
Satanás
vem do Grego "stn" e significa opositor. Não é usado na Bíblia para
designar uma entidade, mas como adjectivo. Opositor: o que se opõe, o
que contraria.
Diabo vem do Grego "diabbolos" e significa basicamente o mesmo: aquele que separa.
Em
nenhum contexto bíblico encontramos estes termos que não seja a
designar alguém que se opõe, que dificulta. Nunca uma criatura.
Inferno vem
do latim "inferus", as regiões inferiores, o Hades pagão, o Sheol
hebraico. Nunca para designar um lugar de eterno sofrimento. Nunca na
Bíblia encontramos a palavra Inferno que não seja nesse sentido. Não
aparecem na Bíblia quaisquer descrições do Inferno como aparecem nas
pinturas medievais e renascentistas ou na palavra inflamada dos pregadores diabolistas.
Demónios,
os "daimon", do Grego, que Jesus expulsava, não são mais que maus
Espíritos - ou doenças, que naquela época eram consideradas obra dos maus
Espíritos.
Lúcifer designa,
e sempre segundo estudiosos dos mais diversos sectores religiosos, um
rei Babilónio que se achou mais luminoso que o próprio Deus, colocou o
seu trono no Monte Sião, em Israel, e foi destronado, para gáudio do
povo invadido.
Na
sequência da Peste Negra, alguns teólogos medievais viram em Lúcifer a
figura mítica do Diabo, que nos aparece nas culturas mais remotas sob
diversos nomes (caso do Ahrimane dos Persas, por exemplo).
A
ideia de um ser criado para o Mal, e para a perdição da Humanidade, tem
essa raiz ancestral. Quiseram vê-la na Bíblia, e viram-na também na
serpente do Jardim do Éden, ou no monstro marinho apocalíptico, o
Leviatã.
O
mito de criação de Adão e Eva aparece em todas as culturas, antigas,
com ligeiras diferenças. O Leviatã bíblico é o Lotã Cananeu, revisto e
adaptado.
O
mito apocalípico dos anjos caídos vem de escritos Bíblicos de tempos
messiânicos, em que as batalhas entre Judeus ocupados e Romanos
ocupantes eram constantes, e o povo aspirava a um Messias libertador.
Esquadrinhada assim a Bíblia, a obra fundamental da cultura ocidental, não encontramos a origem do Mal em nenhuma personagem.
A
Razão amadurecida da Humanidade actual, recusa, aliás, que Deus possa
permitir a existência de seres dedicados ao Mal. Deus não pode permitir
sofrimentos e desigualdades que sejam causados por "rivais". Deus, sendo
Todo-Poderoso, não pode ter rivais.
Não, a origem do Mal não é essa.
Algumas sugestões de leitura:
MINOIS, Georges. O Diabo: origem e evolução histórica. Lisboa, Terramar, 2003.
CAMPBELL, Joseph. A transformação do mito através do tempo. São Paulo, Cultrix, 1995.
DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800): uma cidade sitiada. São Paulo, Cia. das Letras, 1989.
DURANT, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução a arquitipologia geral. Lisboa, Estampa, 1989.
FONSECA, Luís A. “Prefácio”. In: NOGUEIRA, Carlos R. F. O Diabo no imaginário cristão. Bauru, Edusc, 2000.
LINK, Luther. O diabo: a máscara sem rosto. São Paulo, Cia das Letras, 1998.
MESSADIÉ, Gerald. História geral do Diabo: da Antiguidade à Idade contemporânea. Mira-Sintra, Publicações Europa-América, 2001.
MUCHEMBLED, Robert. Uma história do Diabo: séculos XII-XX. Rio de Janeiro, Bom Texto, 2001.
NÉRET, Gilles. Devils. Köln, Taschen, 2003. (Icons).
NOGUEIRA, Carlos R. F. O diabo no imaginário cristão. Bauru, Edusc, 2000.
PRAZ, Mario. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Campinas Editora da Unicamp, 1996.
RUSSELL, Jeffrey B. Mephistopheles: The devil in the Modern World. Ithaca/ London, Cornell UP, 1990.
Lúcifer: o diabo na Idade Média. São Paulo, Madras, 2003.
STANDFORD, Peter. O Diabo: uma biografia. Rio de Janeiro, Gryphus, 2003.
13.9.09