sábado, 14 de maio de 2016

"Filosofia e Loucura"


 
A verdade seja dita: nenhum de nós era aluno exemplar. Andávamos na escola, sobretudo, porque nenhum era filho de pai rico, e assim sendo, convinha que estudássemos, enquanto alguma vocação não despertava. Havia, para mais, muita coisa que exigia o melhor da nossa atenção. Os filmes de Bruce Lee, por exemplo. Não havia Lavoisier, Gil Vicente ou Carlos Magno que pudessem competir pela nossa atenção como o magnífico Chinês Voador. E podíamos faltar à escola, mas nunca um treino de karate!

Inesperadamente, contudo, foi um grego que conseguiu interessar-nos um bocadinho pelas aulas, que passávamos a desenhar caricaturas, para afugentar o tédio. Um grego e um brasileiro. O grego era Platão, e o brasileiro era o professor que no-lo apresentou. O professor Frederico era brilhante, bem disposto, naturalmente dotado para ensinar, afável e acessível. Platão dispensa apresentações. A sua famosa Alegoria da Caverna deixou-nos fascinados.

- E se for mesmo assim? Se o Universo for bem mais complexo do que os nossos sentidos abarcam? Se a nossa visão do mundo for pouco melhor do que a de uma lapa?

Estes e outros pensamentos Platão e Frederico faziam brotar em nós. Esse primeiro ano de Filosofia levou-nos em aprazíveis viagens pela Grécia Antiga, onde os europeus terão começado a pensar. Visitámos o recato dos claustros, onde Agostinho e Tomás de Aquino ensinavam a sua Escolástica, e rimo-nos com o magister dixit ("o mestre disse", fim de discussão), que era uma excelente maneira de resolver as questões complicadas! Passámos pelos renascentistas, que como nós descobriram os clássicos, e chegámos aos modernos, que se aventuraram na descoberta das magníficas leis da Natureza. Descartes, o primeiro dos modernos, acreditava que se podia provar racionalmente a existência de Deus, criador da consciência e da matéria, as duas faces da realidade.

No segundo ano tivemos um professor de que também muito gostámos. Apesar de fazer coisas um tanto incompreensíveis, como por exemplo levar A Bola para a aula e ler em voz alta a análise especializada do novo ponta-de-lança do Benfica. O facto de este "chutar com os dois pés" fazia o nosso simpático mas um tanto estranho professor rir a bandeiras despregadas, vá-se lá saber porquê…

O nosso segundo ano de Filosofia teve nessas citações de A Bola os momentos mais agradáveis, pois os filósofos que se seguiram não nos eram nada simpáticos. Uns simpatizavam com o nazismo, outros eram contra a democracia, alguns acumulavam as duas características. Estes novos filósofos negavam a estrutura, a ordem e a inteligência que os seus percursores descortinaram no Universo. Negavam Deus, consequentemente.

Proclamavam a inexistência da Moral, no sentido mais nobre da palavra.

Alguns amavam abertamente a crueldade, proclamavam o elitismo e orgulhavam-se da sua insensibilidade em relação ao bem-estar dos mais desfavorecidos. Espíritos torturados, afogados em crises nervosas, em delírios patológicos, sob efeito de drogas, esses filósofos arrefeceram totalmente o nosso gosto pela Filosofia, a ponto de lhe ficarmos com aversão. Uma das coisas que nos aborrecia era a permanente confusão que faziam entre Cristianismo e religiões cristãs, acusando o primeiro de ser o causador de todos os males da Humanidade. Parecia-nos muito injusto, e, em certa ocasião, após a aula, constitui-me porta-voz oficial do Grupo dos Admiradores de Bruce Lee, e perguntei ao professor porque não podíamos estudar a filosofia judaico-cristã. Ele pareceu divertido, como se lhe tivessem falado de um jogador que chuta com os dois pés. Mas não me respondeu.

- Para mim, Jesus é um filósofo brilhante. Parece-me injusto que não o estudemos, quando estudamos a obra destes pobres homens torturados e a contas com severos distúrbios mentais. – atirei com sinceridade, pois os relatos dos padecimentos morais dos filósofos em questão muito nos angustiavam.

Respondeu-me o professor:

- Ora aí está um bom tema: filosofia e loucura! Queres fazer um trabalho acerca disso?

Voltámos às caricaturas. Enquanto cantarolávamos muito baixinho, esperando pelo toque de saída.


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Entretanto descobri o Espiritismo, e filósofos espíritas que partilham da minha admiração pela filosofia de que mais gosto, e que ma deram a conhecer com maior profundidade.

Lamento que aos jovens continuem a ser apontados como expoente máximo do Pensamento, filósofos do desespero e do egoísmo. Já sou crescidinho, agora, e lamento que o sistema de ensino continue a espoliar os jovens do pensamento luminoso de Allan Kardec, Léon Denis ou Herculano Pires. 

Os valores oficiais da nossa Sociedade são os materialistas, e os outros são remetidos para o gueto das crendices sem valor. Há aqui parcialidade. É injusto. É sobretudo injusto para quem é privado de Conhecimento. Diz-se que a nossa sociedade perdeu a noção o Bem e do Mal, para se centrar no egoísmo. Pergunto-me porque será...


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