quinta-feira, 19 de maio de 2016

O Bem e o Mal - 7

 

A Origem do Mal

Nos posts anteriores analisámos as origens mitológicas das figuras que ainda habitam o imaginário colectivo e a cultura popular, como responsáveis pelos males da Humanidade.

Demos especial atenção aos mitos que estão na origem da nossa cultura religiosa, no mundo ocidental. E focámos, ainda que pela rama, os conceitos bíblicos de Diabo, Satanás, Inferno, Lúcifer.

Recapitulando:

Satanás vem do Grego "stn" e significa opositor. Não é usado na Bíblia para designar uma entidade, mas como adjectivo. Opositor: o que se opõe, o que contraria.

Diabo vem do Grego "diabbolos" e significa basicamente o mesmo: aquele que separa.

Em nenhum contexto bíblico encontramos estes termos que não seja a designar alguém que se opõe, que dificulta. Nunca uma criatura.

Inferno vem do latim "inferus", as regiões inferiores, o Hades pagão, o Sheol hebraico. Nunca para designar um lugar de eterno sofrimento. Nunca na Bíblia encontramos a palavra Inferno que não seja nesse sentido. Não aparecem na Bíblia quaisquer descrições do Inferno como aparecem nas pinturas medievais e renascentistas ou na palavra inflamada dos pregadores diabolistas.
 
Demónios, os "daimon", do Grego, que Jesus expulsava, não são mais que maus Espíritos - ou doenças, que naquela época eram consideradas obra dos maus Espíritos.

Lúcifer designa, e sempre segundo estudiosos dos mais diversos sectores religiosos, um rei Babilónio que se achou mais luminoso que o próprio Deus, colocou o seu trono no Monte Sião, em Israel, e foi destronado, para gáudio do povo invadido.

Na sequência da Peste Negra, alguns teólogos medievais viram em Lúcifer a figura mítica do Diabo, que nos aparece nas culturas mais remotas sob diversos nomes (caso do Ahrimane dos Persas, por exemplo).
 
A ideia de um ser criado para o Mal, e para a perdição da Humanidade, tem essa raiz ancestral. Quiseram vê-la na Bíblia, e viram-na também na serpente do Jardim do Éden, ou no monstro marinho apocalíptico, o Leviatã.

O mito de criação de Adão e Eva aparece em todas as culturas, antigas, com ligeiras diferenças. O Leviatã bíblico é o Lotã Cananeu, revisto e adaptado.

O mito apocalípico dos anjos caídos vem de escritos Bíblicos de tempos messiânicos, em que as batalhas entre Judeus ocupados e Romanos ocupantes eram constantes, e o povo aspirava a um Messias libertador.

Esquadrinhada assim a Bíblia, a obra fundamental da cultura ocidental, não encontramos a origem do Mal em nenhuma personagem.

A Razão amadurecida da Humanidade actual, recusa, aliás, que Deus possa permitir a existência de seres dedicados ao Mal. Deus não pode permitir sofrimentos e desigualdades que sejam causados por "rivais". Deus, sendo Todo-Poderoso, não pode ter rivais.

Não, a origem do Mal não é essa.
 

Algumas sugestões de leitura:

MINOIS, Georges. O Diabo: origem e evolução histórica. Lisboa, Terramar, 2003.

CAMPBELL, Joseph. A transformação do mito através do tempo. São Paulo, Cultrix, 1995.

DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800): uma cidade sitiada. São Paulo, Cia. das Letras, 1989.

DURANT, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução a arquitipologia geral. Lisboa, Estampa, 1989.

FONSECA, Luís A. “Prefácio”. In: NOGUEIRA, Carlos R. F. O Diabo no imaginário cristão. Bauru, Edusc, 2000.

LINK, Luther. O diabo: a máscara sem rosto. São Paulo, Cia das Letras, 1998.

MESSADIÉ, Gerald. História geral do Diabo: da Antiguidade à Idade contemporânea. Mira-Sintra, Publicações Europa-América, 2001.

MUCHEMBLED, Robert. Uma história do Diabo: séculos XII-XX. Rio de Janeiro, Bom Texto, 2001.

NÉRET, Gilles. Devils. Köln, Taschen, 2003. (Icons).

NOGUEIRA, Carlos R. F. O diabo no imaginário cristão. Bauru, Edusc, 2000.

PRAZ, Mario. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Campinas Editora da Unicamp, 1996.

RUSSELL, Jeffrey B. Mephistopheles: The devil in the Modern World. Ithaca/ London, Cornell UP, 1990.
Lúcifer: o diabo na Idade Média. São Paulo, Madras, 2003.

STANDFORD, Peter. O Diabo: uma biografia. Rio de Janeiro, Gryphus, 2003.






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