sábado, 14 de maio de 2016

Café Portugal

 

Era sexta-feira, dia de actividades do centro espírita que frequento. Uma pessoa amiga, de passagem pela cidade, telefonou-me. Tinha uma oferta para mim, alguns livros e cd's espíritas. Com muita pena, não pude ir pessoalmente receber a oferta e cumprimentá-la.

Há sete anos que ali está o centro espírita. Nunca tivemos o mais pequeno atrito com os moradores. Frequentamos os estabelecimentos comerciais do bairro, tratamos toda a gente com cortesia, prestamos assistência às famílias carenciadas, acolhemos bem todos os moradores que já se acercaram de nós por qualquer motivo.

O centro estava ainda fechado, e achei que o saco ficaria bem à guarda do dono do café onde costumo ir. E assim foi. O Sr. Manuel, típico proprietário de café, parecia-me capaz de guardar uma pequena encomenda, um volumezinho do tamanho de uma caixa de sapatos das pequenas. Mais complicado que isso é a sua extraordinária habilidade para andar permanentemente com um cigarro aceso e um palito na boca, enquanto por debaixo do farto bigode brotam sábias considerações acerca de futebol e política.

Ledo engano... À noite, quando fui perguntar pela minha encomenda, o Sr. Manuel pôs um sorriso de miúdo traquinas, e declarou:

- Ó chefe, a minha Mulher viu que aquilo era m****s de Espiritismo, ela é contra essa m***a, de maneiras que deitou aquela m***a toda p'ó lixo!

Pedi desculpas pelo eventual transtorno e assegurei que a senhora podia estar descansada, que nada de mau lhe adviria por ter tido tais coisas sob o seu tecto. Benevolente, o proprietário fez-me saber que "ele por ele, nem liga a essas m****s, a Mulher é que tem raiva a essas m****s".

Além de fino comentador de bola e política, de exímio malabarista de cigarro e palito, este cidadão é dono, também, de muito tacto e boa educação! Para não falar da Esposa!... Já para não falar da capacidade de encaixar uma quantidade exorbitante de palavrões numa simples frase!...

Já temos tido algumas pessoas do bairro que se aventuraram a transpor as portas do centro. E fizeram questão de nos dizer o que por lá corre a nosso respeito: que andamos lá a espernear pelo chão e aos gritos, por causa dos Espíritos. E as pessoas sentem-se em perigo, com tanto Espírito por ali à solta, que nós, os malandros, para lá levámos...

Sentem-se no dever de nos dizerem que afinal o centro espírita é "o contrário do que julgavam"
 
Ficamos felizes por esses pequenos rasgões no espesso manto de preconceito que ainda cobre o nosso país. 
 
 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.