sábado, 14 de maio de 2016

Navegação Nocturna


Poucas pessoas haverá neste mundo que amem tanto o mar como eu, arrisco dizer. A orla costeira, encontro entre terra, mar e céu, tem o condão de nos fascinar a todos, e de nos deixar, crentes e não crentes, maravilhados com a beleza sublime da Criação. 

Qualquer pessoa dotada de um resquício de sensibilidade dá por si a contemplar o mar. 

Por gostar tanto do mar, desde cedo que me tornei mergulhador, para explorar o mundo que está abaixo da superfície, ali tão perto mas tão escondido.

Tornei-me velejador pelo apelo do imenso deserto líquido, das horas a sós com as ondas e os ventos, imerso em silêncio, espuma e imensidão.

Cavalguei as ondas em pranchas de surf, vi o sol nascer na praia, assisti a incontáveis crepúsculos com os pés na água. Dormi na praia. Passei dias a pescar nos promontórios, a explorar o continente que se estende pela linha de costa de todos os continentes e de todos os oceanos.

Sempre me senti mais perto de Deus sozinho na praia do que em qualquer templo construído pela mão do Homem. À beira-mar, como em nenhum outro lugar, sempre senti essa espécie de apelo de Espiritualidade.

Assisti à comercialização da praia. Nunca deixei de sentir um certo desconforto ao ouvir os "operadores turísticos" se lhe referirem como um "produto".

Assisti à destruição da praia. À gula insaciável dos especuladores imobiliários. Às vistas curtas dos políticos, à demolição das casas antigas e à invasão dos areais, das dunas, das falésias, por construções cruelmente impróprias, obscenamente medíocres.

Assisti às invasões sazonais da multidão que lamenta que o seu orçamento não lhe permita estar numa ilha tropical, num daqueles resorts fechados e iguais uns aos outros em qualquer parte do mundo. 

Cansei-me. Do alarido permanente, das bofetadas nas crianças, das gritarias domésticas que atravessam paredes e nos castigam os ouvidos e a alma, do espalhar de lixo material e verbal como forma de estar na vida, das brigas entre os automobilistas stressados e dos jovens condutores cheios de álcool. Deixou de compensar, o desassossego causado pela multidão "consumidora" de praia, e a destruição causada pelos "operadores" do "produto".

Hoje estou por aqui acidentalmente. O panorama é o mesmo e cansa-me. A noite cai, e a escuridão vai-se espalhando como tinta da china despejada num copo de água. A frescura realça o cheiro da maresia. Um véu piedoso cobre a terra, o mar e o céu, onde já refulgem as primeiras estrelas.

Relembro o conselho dos Espíritos para que contemplemos os globos que rolam no Espaço e imaginemos os seus habitantes, em mundos mais e menos felizes que o nosso. Quantos velejadores siderais em águas cristalinas, bendizendo a beleza sublime da Criação...


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