sexta-feira, 13 de maio de 2016

Sentimentos de um ocidental

Oito e meia da noite. As ruas começam a ficar desertas. A cidade já despejou a sua população diurna, o trânsito abranda. Alguns comerciantes ainda estão, de porta fechada, a fazer arrumações. Nas churraqueiras viram-se frangos, para os que não tiveram tempo de preparar jantar. É a hora em que as brigadas de limpeza começam a lida, nos escritórios, nas lojas, nos edifícios públicos. Passa por mim um grupo de jovens de estilo "gangsta", nas suas bicicletas BMX, cigarro na boca e garrafas a chocalhar nas mochilas, berrando obscenidades incoerentes. Os graffitti a esta hora parecem fazer mais sentido, demarcando os territórios em código. Vem aí a Noite. A cidade está cansada, como aquela dona de casa que, já trôpega, ainda varre a varanda. E, para ser sincero, a minha habitual e permanente alegria estremece um pouco, sob as rajadas de vento frio deste Outono, que nos apanham de surpresa ao fim de dia de Verão de S. Martinho. Se cerca de 50% dos europeus são manifestamente ateus, e os restantes incluem muitos agnósticos e muitos crentes superficiais, concluo que a grande maioria dos meus concidadãos está demasiado embrenhada nas lutas e paixões do dia-a-dia para ter disposição de procurar saber se existe mais que "isto". E "isto" nem anda famoso. Nunca andou.
Considero-me muito mais imperfeito do que a maioria destas pessoas. E talvez por isso Deus me tenha dado oportunidade de saber - até por experiência própria - que a Vida não se resume a esta passagem pela Terra, ao prosaico casa-trabalho-casa ou às alternativas mais radicais de quem quer mais que "isto", mas vê sempre esse ideal impreciso a fugir. Como a cenoura na ponta do pau, à frente do burro.

Aperto o passo. São quase nove da noite e a palestra do Divaldinho Mattos vai começar. No centro espírita estão pessoas como aquelas com que me cruzei na rua. Não há ninguém em transe, não há cânticos nem gente em convulsão a louvar o Senhor. Há pessoas normais, das mais diversas. Com as qualidades e defeitos das outras, unidas pelo desejo de se melhorarem para melhor servirem o Próximo. Na modesta sub-cave de um prédio, apertadinhos, vamos tomando lugar nos banquinhos de plástico.

O Divaldinho, simpático e modesto como sempre, tomou a palavra, e durante uma hora levou-nos em visita guiada ao mundo espiritual. Aos primeiros golpes das sua boa disposição, o vago sentimento de um ocidental que me espreitara na rua, dissolve-se em pétalas de luz. O mundo de provas e de expiações pode esperar. A viagem decorre agora em dois mundos, e as ângulos soturnos deste têm explicação no outro. Os Espíritos disseram que este nosso mundo é cópia imperfeita do mundo espiritual. E Jesus disse que há muitas moradas na casa de seu Pai. O Divaldinho conta a história da reencarnação de Segismundo, segundo a obra "Missionários da Luz", de Chico Xavier, pelo Espírito André Luiz. A morada espiritual é a colónia "Nosso Lar", que o mundo agora pode idealizar a partir do filme homónimo.

Divaldinho conta a história singela, e comenta a profundidade moral dos relatos. Chama a atenção para que nos anos de 1940 estas obras anteciparam tecnologias como os computadores pessoais ou os discos de DVD - o mundo material vai copiando o mundo espiritual. Mas adverte que não é a partir dos romances mediúnicos que alguém vai aprender Espiritismo. E cita Chico Xavier, seu amigo, que aconselhava a que se estudassem as 5 obras básicas dos Espíritos, codificadas por Allan Kardec. Durante 10, 20, 30, 40 anos, toda a vida. Chico desencarnou deitado na sua cama, a estudar O Livro dos Espíritos. Aprender sempre...
Chico dizia que a leitura das 5 obras básicas, se muda uma pessoa, pode mudar o mundo. O nosso mundo ainda tão desconhecedor das realidades maiores.


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Divaldo Matos de Oliveira, conhecido como Divaldinho Mattos, é um divulgador espírita brasileiro, idealizador e fundador de várias instituições em Votuporanga, no interior do Estado de São Paulo.
Dirige o Grupo Espírita Maria de Nazaré desde 1982 e os seus departamentos:

Centro Espírita Paulo de Tarso;
Centro Espírita Fé Amor e Caridade;
Centro Espírita Iracema Laço Veronezzi;
Núcleo Assistencial Espírita Auta de Souza;
Comunidade Espírita Joanna de Angelis;
Lar Beneficente Celina e a
Casa Editora Espírita Pierre-Paul Didier.

No Lar Beneficente Celina, colaboram mais de 200 voluntários espíritas. Cuidados médicos, escolarização, alimentação, são proporcionados à população carenciada de Votuporanga, Estado de São Paulo, Brasil.

Como esta obra, há muitas outras obras espíritas. Ouve-se pouco falar delas, porque os espíritas não têm por hábito alardear o bem que fazem. Citamo-lo nesta oportunidade para lembrar que estas iniciativas erigem na Terra comunidades onde o amor ao próximo é a Lei, tal como em "Nosso Lar", que foi tema da palestra.

PS - Cesário Verde - O Sentimento de um Ocidental. Uma alma que aspirava a mais que "isto".
19.10.10

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