
Quando
em 1517 foi levado pela primeira vez à cena o Auto da Barca do Inferno,
de Gil Vicente, a crença na existência efectiva do Diabo estava no auge
do seu vigor, aqui na Europa. Gil Vicente escreveu a famosa trilogia das barcas
retratando a época e os costumes, mas também reflexões filosóficas
profundas.
A salvação, na Barca da Glória, o castigo na Barca do Inferno, ou o meio castigo na Barca do Purgatório, decorrem em ambiente de farsa, mas interrogam-nos acerca das nossas condutas e objectivos de vida.
A Barca do Inferno acaba, sabiamente, por ficar no cais, devido à maré baixa, mas a conclusão do auto é que a quase totalidade das personagens, embora aspire à Barca da Glória, não é merecedora de embarcar. E fica simbolicamente numa barca encalhada...
Transcorreriam ainda alguns séculos até ao pontificado do Papa João Paulo II, que determinaria com clareza para os católicos o carácter simbólico do Inferno. No Verão de 1999, Karol Wojtyla declarou que o inferno não é "um lugar físico entre as nuvens", mas a "situação de quem se afasta de Deus".
Em 1517, o dramaturgo português punha as suas personagens na condição de indignos da felicidade plena, por haverem dado mais valor aos apelos da vida material do que ao cumprimento do mandamento maior: amar a Deus e amar ao próximo como a nós mesmos.
10.8.09
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